sexta-feira, 13 de abril de 2012

Mãe Maria




No momento em que meus olhos cruzaram os seus, nublados pelo tempo,
um sorriso brotou em você, numa boca sem dentes, que encheu o meu peito de carinho.
Fui em sua direção, certa de que eu quem a acolheria, ouviria suas histórias e seus lamentos de abandono.
Mal sabia eu, que ali eu não estava para doar, mas para receber.
Das suas mãos Mãe Preta, recebi carinho de mãe de sangue.
De sua boca, ensinamentos que jamais esquecerei.
Palavras tão sábias me foram ditas, por alguém que nem ao menos sabia escrever.

Me ensinou a força da Fé, a me apegar no Rosário.
Me ensinou que a vida é dolorida sim, mas que valia a pena cada segundo.
Me ensinou a coragem, de lutar e não desistir.
Brincava de fazer premonições de coisas lindas para minha vida, e eu fingia que acreditava.
Como ríamos das nossas bobagens!
Quantas vezes aos teus pés fiquei a ouvir cantigas de roça que você inventava e jurava que existiam.

Me contou sua linda história de amor, e de como esperava o dia da partida, ansiosa
pelo reencontro do amado Josué.
Um amor tão lindo, que nem a morte matou.
Todas as dores pelas quais passou, foram leves, enquanto juntos.
Linda história, que a miséria compartilhada só fortaleceu .
Me fez acreditar, que o amor existia mesmo.

Um dia me disse, que nasci branca por engano de Deus, pois só negros iam para o tronco.
Engano seu mãe preta, brancos também vão.
Da chibata da vida, eu não escapei.
Quantas vezes foi no teu colo que chorei?
Quantas vezes cheguei pulando de alegria e você gargalhava com a minha bobeira.
Eu te contava as alegrias e dores do meu amor, mas não lia em seus olhos o que não tinha coragem para me dizer.
Estava feliz demais... para logo voltar triste e cheia de dúvidas.
Na sua sabedoria, você sabia o fim de tudo.
Eu não. 

No nosso último encontro, eu estava despedaçada.
Foi para teu colo que corri.
Mais uma vez o aconchego e o carinho que me deu, me aquietaram a alma.
Sinto tua mão nos meus cabelos...
Sua voz a me dizer que tudo ia ficar bem, porque tinha conversado sério com Deus,
e que Ele tinha dito que minha felicidade estava chegando.
Ri de você, não é?

Me perdoe mãe Maria, não vi a morte te rondando.
Talvez porque em mim, te fiz eterna...
Hoje, rogo a Deus pelo seu lindo e esperado, encontro de amor.
Rogo, para que Ele te permita que a senhora, se vista de branco, com margaridinhas, para rever seu amado, tal como imaginava que seria.

De todas as perdas por que tenho passado, esta talvez tenha sido a pior.
Mas ao te olhar dormindo, vi que sorria.
Ele veio te buscar, não é?

Sei que de onde estiver, estará sempre em mim.

Festeje Minha Nega linda, pois com certeza o céu está em festa com tua chegada.
A nós que ficamos, só resta sentir o vazio que deixou.
Hoje mãe, mais só estou no meu caminho, mas quem sabe um dia, suas previsões se façam.

Adeus Mãe Negra... Seja Feliz!


Lucienne Miguel

Para Maria Clotilde, minha Mãe.


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